A CEO do Rappi, Tijana Jankovic, tem em sua jornada profissional e pessoal transformações significativas. Em todos os papéis, de líder à mãe, ela acredita no poder de abraçar as mudanças e aprender com elas.
Além de CEO do Rappi, quem é a Tijana?
Eu nasci em Belgrado, capital da Sérvia, em um período bastante conturbado do país. Após meus primeiros anos de vida lá, me mudei com a minha família para a Nova Zelândia em um momento de forte guerra civil entre os sérvios, onde aprendi a falar inglês, com 4 ou 5 anos.
Era um sonho cursar faculdade em Milão, na Itália, por isso também acabei dominando o idioma italiano desde cedo. Concluí uma graduação em Economia Internacional lá e iniciei minha jornada profissional em Londres, Inglaterra. Durante esses anos, atuei em um banco francês, por isso migrava periodicamente entre Londres e Paris. Também neste período, concluí um mestrado em Econometria, com foco em Matemática Aplicada.
Com essa mesma empresa, fui transferida para o Brasil na véspera do carnaval de 2013, com a missão de desenvolver um time de operações no mesmo formato em que atuava na Europa. Eu estava acostumada com as mudanças de país e as residências temporárias, mas quando cheguei em terras brasileiras, decidi que gostaria de construir minha casa e família por aqui.
Depois de três anos morando no Brasil, recebi uma proposta irrecusável, do mesmo banco francês em que trabalhava, para residir em Nova York. Em menos de um ano lá, eu decidi mudar de carreira e retornar ao Brasil, pois não me adaptei ao estilo de vida norte-americano. A partir desta data, migrei para o mercado de tecnologia pois me identifiquei com a premissa deste mercado: estruturar soluções e resolver problemas.
Por uma questão cultural da Sérvia, eu aprendi desde muito cedo a falar inglês e francês. O aprendizado do idioma italiano foi um desejo pessoal, como eu comentei acima, já que gostaria de me graduar na Itália. O maior desafio, para mim, foi o aprendizado do português quando cheguei ao Brasil, pois era uma língua difícil de pronunciar e conhecia amigos franceses que até aquele momento não falavam muito bem o português. Foi então que, por meio de livros de literatura brasileira e filmes, aprendi a deixar minha pronúncia e escrita um pouco melhores. Ainda tenho a ambição pessoal, por exemplo, de traduzir clássicos da literatura brasileira para o sérvio.
Como foi sua transição de carreira do mercado financeiro para a área da tecnologia?
Primeiramente, acredito que duas coisas pararam de valer no mercado de trabalho. A primeira é a ideia de carreira linear, onde o funcionário passa a vida toda na mesma empresa ou na mesma indústria, pois isso não acaba acontecendo tanto na realidade e também não é bem visto. Os profissionais que passaram por várias indústrias são considerados como os que acumularam conhecimento mais diverso e que tem mais valor agregado no dia a dia de trabalho. O segundo ponto é o de sempre conectar a sua formação acadêmica com a sua carreira. Isso, para mim, deixou de existir. Tirando os profissionais específicos, que precisam de uma licença para atuar, quanto mais diverso, melhor.
Sobre minha carreira, a minha ideia inicial era iniciar uma jornada acadêmica, pois me formei em Economia, fiz mestrado em Econometria, que é uma parte bem matemática da Economia, lá em Londres. Eu estava muito no caminho para fazer um doutorado, com um sonho de trabalhar nas grandes instituições, como o Banco Mundial, Nações Unidas, IMF e etc. Na época eu tinha amigos na faculdade que eram de famílias que trabalhavam nesses lugares e eu pude conhecer um pouco mais de perto o modelo de trabalho. No fim das contas não gostei do pouco acesso que davam às vagas de trabalho, as burocracias e ritmo lento que envolviam seus negócios, mesmo sendo considerados espaços justos e nobres. Os pré-requisitos também eram muito específicos, como passar um ano se voluntariando em Washington, DC, e pouquíssimas pessoas podiam se dar ao luxo de fazer isso, basicamente por questões financeiras. Por isso, quando finalizei meu mestrado, que foi pago por um financiamento, decidi atuar no mercado financeiro, principalmente para quitar as dívidas que eu tinha feito ao longo dos anos em Londres.
Por anos me senti muito gratificada pelas experiências internacionais que eu tive nesse mercado, mas quando fui para Nova York, entendi que não me sentia mais feliz naquela função. O que eu fazia não me enchia mais de orgulho, e não via mais propósito. Em uma sexta-feira qualquer, com viagem marcada para o final de semana, fiquei até as 23h30 no escritório esperando o chefe terminar de ler o jornal. Foi a gota d’água. Decidi parar tudo e recomeçar, mirando em empresas em construção, onde eu pudesse fazer alguma real diferença. A partir de então, entendi que atuar com algo que estivesse alinhado à minha vocação e que me trouxesse energia para ser feliz, era muito importante, portanto não importou muito abrir mão de algumas vantagens financeiras e de influência para iniciar em um novo mercado, que foi o de tecnologia.
Quando ingressei no Uber, realmente achei que começaria do zero, como analista, por exemplo. Acredito que essa humildade me ajudou muito, pois eu trabalhava e me relacionava com as pessoas como se realmente eu estivesse no dia zero. Um tempo depois eu aprendi que tinha, sim, conhecimento e que minha bagagem foi transformada em algo útil, mesmo não sendo aplicada ao pé da letra. Então, para quem está se perguntando se vale a pena fazer uma transição de carreira, eu vejo que nunca é tarde para tentar. Pode ser que, em um primeiro momento, você tenha algumas diminuições financeiras, mas se você curte o que você faz e pode se dar esse privilégio, você vai trabalhar melhor e consequentemente o dinheiro virá.
Qual habilidade que você considera um diferencial para exercer uma boa liderança?
Na minha opinião, um funcionário que domina os chamados soft skills terá mais sucesso nos cargos de liderança do que um técnico, que domina os hard skills. Quanto mais o profissional avança na carreira, mais habilidades comportamentais ele terá que apresentar, pois ninguém é insubstituível tecnicamente. E, mesmo que seja o caso, a realidade será muito temporária porque as demandas mudam ao longo do tempo. O mais importante, na minha visão, está em saber se comunicar, ter empatia, conseguir estruturar raciocínios e ter humildade, pois um chefe precisa saber comandar uma equipe e – tão importante quanto – precisa fazer com que esse time entregue resultados. Agora, para atingir a liderança, virar um executivo de referência e pretender cargos de presidência ou vice-presidência dentro das empresas, ambos os lados são necessários: a capacidade técnica e as soft skills.
Para você, é possível equilibrar carreira e vida pessoal? Como você lida com os desafios de estar em papéis tão significativos e exigentes como liderança e maternidade?
Acredito que não existe uma receita pronta ou um plano perfeito e está tudo bem. O importante é saber que algumas coisas não sairão como planejado, mas tudo dá certo no final. No meu caso, alguns combinados funcionaram como um guia para cuidar de tantas atividades ao mesmo tempo. Os horários bloqueados, por exemplo, entre 18h e 20h30 ficaram conhecidos como “Operação baby”, onde minhas filhas recebem a minha atenção total. Assuntos críticos só antes ou depois desse horário. A divisão de papéis também é um tópico muito importante nesse momento. Quando a Teresa nasceu, minha primeira filha, meu marido João assumiu a organização da rotina da bebê, como ida e volta da escola. Depois, enquanto me dedicava aos primeiros meses da Íris, ele começou um novo projeto de trabalho, que considerou uma transição de carreira para a área social. Nas últimas semanas de gestação da segunda filha, os horários começaram a ficar cada vez mais complicados, então eu e meu marido assumimos os trabalhos em casa. Às vezes acontecia de realizarmos reuniões dentro do carro, ou até na garagem para não sermos interrompidos pela nossa filha mais velha. Como uma outra alternativa, também passei a utilizar uma sala alugada em um escritório compartilhado, especificamente para esse período mais caótico. Em resumo, aprendi muita coisa na primeira gravidez e hoje levo para o ambiente profissional. Na segunda gestação, já entrei sabendo que não conseguiria controlar tudo. Existe um paralelo aí com a empresa. Estamos sempre fazendo coisas novas e não dá para ter tudo sob controle.
Compartilhe com a gente o seu livro favorito e qual é a importância da literatura na sua trajetória.
A leitura sempre foi muito presente na minha vida. Durante a minha infância, em Belgrado, na Sérvia, eu não tinha o costume de assistir à televisão, e sim o de mergulhar em livros de séries infantis. E esse é um hábito que vem de gerações passadas na minha família. Minha avó paterna era tradutora de livros do francês para o Sérvio. Tive muitas conversas com ela e sei que a tradução não é só uma técnica, mas uma arte, pois os tradutores têm um pouco de escritores também. Já meu pai, possui uma editora há mais de 30 anos na Sérvia. Eu cresci no meio de livros e em várias línguas. Hoje, com minha filha mais velha, Teresa, tento passar adiante esses ensinamentos e coloquei uma regra em casa, que é ler antes de dormir. Eu revezo a tarefa com meu marido, que é brasileiro – fico encarregada de ler os livros em Sérvio e ele os em português – mas às vezes minha filha escolhe o idioma português e eu acabo tendo que fazer a tradução simultânea. Com a minha filha mais nova, Íris, comecei a ouvir audiobooks nos momentos em que amamentava. Na minha visão, pela entonação que os narradores usam, há um pouquinho menos de espaço para a própria imaginação, pois os personagens já ficam um pouco mais definidos. Durante minha licença-maternidade, por exemplo, eu costumava passear na Livraria da Vila com a minha filha no canguru. Enquanto ela dormia, eu fazia a lista dos próximos livros, e também tentava ler um pouco. Mais recentemente, li a quadrilogia da Elena Ferrante, sobre as lutas internas que muitas mulheres têm e que a autora retrata de forma muito honesta. Também iniciei uma obsessão por biografias de personalidades como Winston Churchill e Ghandi. Para a Teresa, comecei a ler a coleção “Gente pequena, grandes sonhos”, que traz a biografia para crianças de personalidades como Frida Kahlo e Coco Chanel. Na minha percepção, a cultura brasileira não estimula as meninas a sonharem muito. Para elas, o horizonte parece mais curto.