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    Victor Gomes: O olhar sensível da inovação. 

    Com doutorado pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) e Institut für Maschinenkonstruktion, mestrado pelo ITA e graduação em engenharia mecânica pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), a academia sempre foi uma parte importante da vida do Diretor de Tecnologia e Inovação do SENAI – RS, Victor Gomes.

    Um rockstar nato, Victor toca guitarra, violão, piano, baixo e até flauta. Explica que começou a aprender os instrumentos ainda criança e destaca a felicidade de ser entrevistado justamente no Dia Mundial do Rock. Para ele, a música inspira e ajuda na concentração e, ao mesmo tempo, na motivação, na mesma medida. Uma pessoa que gosta de olhar para o que está acontecendo no mundo, é apaixonado por esportes, medicina e comportamento humano. 

    Com 45 anos feitos em 2023 e diz estar buscando formas de viver ainda melhor nos próximos 45, com uma ajudinha do autoconhecimento e da psicanálise. Nascido em Florianópolis, veio para o Rio Grande do Sul, mas não perdeu o gosto por nadar, mesmo que agora sem a facilidade do mar perto de casa. Sua preocupação com o meio ambiente e por tornar o mundo um lugar melhor e mais sustentável também passa por essas origens e pelo cuidado com os oceanos.

    Para você, o que é a inovação na prática?

    É olhar para uma necessidade, juntar dados, conhecimento e aplicar em uma solução diferenciada ou nova. A forma clássica de pensar em inovação é juntar informações para transformar em conhecimento aplicado e, necessariamente, útil. Essa definição funciona tanto dentro da tecnologia quanto fora dela. Inovação tem a ver com mercado, mas também tem a ver fundamentalmente com sociedade.

    Dentro do campo da tecnologia, a inovação parte sempre de uma questão econômica e social. A responsabilidade de quem trabalha nessa área é ficar atento ao entorno e transformar necessidades em algo aplicável para a melhoria da sociedade. Também é papel desses profissionais antecipar necessidades que surgirão para entregar algo novo, sempre aplicando o método científico, com análises e validações.

    Mas é importante entender outro ponto com relação a essas duas áreas complementares. O desenvolvimento tecnológico precisa existir para além das demandas já existentes. Quando falamos de inovação, não tem jeito, precisa ter conexão com o mercado. Mas a tecnologia em si tem o poder de moldar o futuro e de ser uma ferramenta na geração de demandas mercadológicas. Existem metodologias para analisar futuros distintos a partir de percepções. Se os profissionais só fizerem o que é demandado, corremos o risco de, ali na frente, termos nos transformado em algo que não queríamos enquanto sociedade. Precisamos ter um olhar para outras propostas de valor também.

    O SENAI é protagonista em desenvolvimento de IA no cenário nacional. Quais você considera os maiores desafios e oportunidades da aplicação de IA na indústria brasileira?

    O maior desafio e, ao mesmo tempo, o maior benefício é o aprendizado. Antes de falar em IA, precisamos abordar a cultura de dados. E para dar valor aos dados é preciso ter objetivos bem definidos. O que eu avalio como o melhor da IA é trazer a reflexão para a indústria acerca de como é o trabalho com a gestão do conhecimento e, essencialmente, conjuntos de dados.

    É importante destacar que dados e informação são coisas diferentes. Um conjunto de dados não é, por si só, informação. Por isso é importante gerir informação e conhecimento. Ao trabalhar com IA, precisamos analisar da onde vamos coletar dados, se vamos trabalhar em cima de um processo específico ou em um conjunto de processos, por exemplo. Atribuir valor para a quantidade de dados que temos faz parte dessa cultura data driven também. 

    Se a gente for olhar para um procedimento específico com a produção de metais, a gente corta uma parte dele, o nome do processo é usinagem. Usina uma parte do metal para fabricar uma peça. O acabamento passa por um processo de qualidade que vai dizer se a peça está dentro do padrão ou se possui alguma anomalia. E eu estou explicando isso porque a IA pode ajudar muito rapidamente as empresas a entenderem onde existem as anomalias dos seus processos. Ou seja, aumentar a qualidade do seu processo produtivo por meio da análise do padrão de dados.

    Você também é professor universitário, como você percebe a transformação digital no universo acadêmico? 

    Transformação digital é um mundo de coisas, então não quero reduzi-la às aulas online. De maneira geral, temos nos desenvolvido e conseguido usar a comunicação a serviço da geração de conhecimento. Hoje em dia, eu dou aula exclusivamente para conseguir continuar absorvendo e aprendendo sobre as coisas que estão acontecendo na sociedade. Ao dar aula de tecnologia digital para alunos de várias partes do Brasil que trabalham com indústrias de diferentes setores, eu consigo absorver muitas demandas e necessidades.

    Para além dos artigos científicos e da pesquisa científica propriamente dita, é dentro da sala de aula que as diferentes perspectivas sobre a transformação digital se encontram. Vejo que as médias e grandes empresas têm caminhado mais rápido na aplicação de tecnologias digitais e a gente precisar dar suporte para as pequenas e microempresas também conseguirem atuar sob essa perspectiva. Isso porque não existe transformação digital se a gente não pensar do muro da indústria para fora, não dá para fazer isso sozinho se estamos falando sobre fluxos de valor de dados e da capacidade de responder a eventos em menor tempo.

    O que você projeta para o futuro de mercado em termos de impactos com as novas tecnologias?

    Eu tive oportunidade de viajar muito a trabalho, morei na Alemanha três anos, fiz meu doutorado lá, mas vou falar da ótica de quem está no Brasil. A gente vive, mais uma vez, um grande momento de oportunidade. E quero deixar claro que estou falando sobre um contexto do país e não sobre política. 

    Os grandes desafios do mundo neste momento estão relacionados com bioeconomia, transição energética e transformação digital. E todos esses temas sempre estiveram presentes na nossa vida, mas agora a gente tem mais capacidade de processamento de dados, de tecnologia, de entendimento sobre fenômenos e o que está acontecendo no mundo. Falamos sobre Inteligência Artificial hoje, mas não podemos esquecer que isso é um assunto falado há muitas décadas.

    Acredito que a gente consegue fazer muita coisa no Brasil, com o que temos de diversidade climática, ambiental, de energias e biodiversidade de maneira geral. Temos oportunidade inclusive para o desenvolvimento de novos materiais poliméricos. O mundo está repensando toda a parte de geração de resíduos. Por isso, temos uma chance de começar a não apenas achar locais para colocar esses resíduos de forma menos impactante, mas também desenvolver novos materiais a partir da sua concepção, para que os resíduos tenham valor.

    Assim, a indústria também pode olhar para esses materiais de uma maneira diferente. Além disso, também podemos olhar dessa forma para a manufatura de equipamentos poluentes que fazem parte do nosso dia a dia. Sabendo que, para todo problema complexo, precisamos de uma solução complexa na mesma medida. 

    Onde ou com quem você encontra inspiração para liderar e lecionar?

    Eu só virei pesquisador, só trabalho onde estou hoje, só tenho as coisas que tenho hoje porque tive a oportunidade de me colocarem em escolas boas e lá eu encontrar professores e colegas que me ajudavam. Eu sei muito bem que estou aqui em função das pessoas que passaram pela minha vida, inclusive pelo meu esforço, mas tive muitas oportunidades.

    Tenho gosto pelo desenvolvimento, me empolgo com isso, e também aprendi muito a errar. Quem trabalha com pesquisa, necessariamente erra e entende que é na diferença e no contraditório que a gente aprende. Entendi nesse processo que errar não é a pior derrota e devo isso a alguns professores, principalmente da pós-graduação, que até hoje são referência para mim.

    Mas não posso deixar de dizer também o quanto me inspiro na minha mãe, que é professora de crianças. Ela conseguia preparar uma aula sobre o que fosse necessário, porque ela aprendeu a aprender, ela nunca teve problema ou vergonha disso. Ser professor é muito legal por conta desse processo todo de ouvir e se comunicar com outras pessoas e é isso o que me inspira como liderança também.

    Qual é o seu legado rock?

    Já pensei muito sobre essa questão e acho que no final das contas eu não trabalho para deixar legado. Queria muito que as pessoas pensassem sempre para frente, no futuro, mesmo entendendo que isso também se dá a partir do que já foi feito. A partir disso, penso que um legado é que eu nunca vou deixar de compartilhar com as pessoas que trabalham comigo todas as coisas que a gente tem aprendido em gestão de tecnologia e inovação e em ciência e tecnologia deep tech.

    Toda pessoa que trabalha com desenvolvimento de conhecimento não pode guardar as coisas na gaveta e tem que entender que as pessoas são diferentes e precisam que você compartilhe informação. Eu torço para que as pessoas peguem as minhas informações e transformem em algo ainda melhor. Pode ser que esse seja o meu legado.

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